quinta-feira, 6 de março de 2014

Caso Mensalão: Decepção à Bolonhesa

                                                                   Recife, 06 de março de 2014

        Quadrilha Feliz: Os parlamentares Genoino (E) e José Dirceu comemoram decisão
                                 


Por Nelson Sampaio Junior


“Esta é uma tarde triste para o STF” declarou, em tom de frustração, o presidente do Supremo Tribunal Joaquim Barbosa. A frustrante declaração (compartilhada pela sociedade) refere-se a absolvição executada pelo Supremo ao entender como inexistente o óbvio e uluante crime de formação quadrilha dos parlamentares acusados. Por diferença de apenas um voto (6x5) a mais alta corte do país perdeu uma oportunidade histórica de passar a limpo a maior chaga da sociedade brasileira: a impunidade frente a corrupção.


Prestes a completar dois anos, o julgamento despertou por alguns momentos a esperança de virar esta página. Semelhante a um seriado americano (mas sem final feliz), o roteiro parecia perfeito, amplo espaço para a defesa dos réus, recursos, prazos, atrito de opiniões entre ambos os lados, episódio por episódio num espetáculo midiático jamais visto na história deste país.

E como fez Pilatos no julgamento de Cristo, até mesmo o governo petista parecia ter deixado os seus “filhos” à própria sorte, disponíveis à justiça. E os próprios réus, já condenados, e com aparições patéticas dos “heróis que morreram de overdose” já pareciam conformados com a ideia de contemplar o sol nascer quadrado. Lembrava mesmo a escatológica luta do bem contra o mal. Até o dia em que a corte sofreu baixa de dois ministros: o do ex-presidente Ayres Brito, além do ministro Cezar Peluso, aposentados por idade. Em substituição, entraram Luís Roberto 
Barroso e Teori Zavascki, que votaram em favor dos mensaleiros.

Embora esteja próximo de ser concluído, o andamento do julgamento nem chegou ao fim e sua ligação com o pensamento do filósofo marxista Michel Foucault (1926-1984) nunca foi tão atual. Completar 30 anos de sua morte Foucault (leia-se Fucô) ganhou destaque internacional por abordar em seus livros o conceito de prisão no mundo contemporâneo. Vigiar e Punir, e Microfísica do 

Poder certamente constituem suas obras mais importantes.
Na essência, como o “desnudar do rei” este filósofo francês concluiu que a justiça penal não passava de um mecanismo de dominação de classe, produzida pela elite política e econômica para a aplicação às classes desfavorecidas. Para isso, utilizavam-se da lei penal, o que ele chamou de instrumento de classe. Este, por sua vez atendia (e atende) aos objetivos ideológicos (repressão das classes inferiores) e os reais (imunização das elites). Combinados, eles representam a chamada gestão diferencial, apesar de pomposo, na prática, seu nome é sinônimo de impunidade.

Os paralelos do sofisticado esquema foucaultiano (leia-se fucôtiano) com o maior escândalo processual da história do Brasil são surpreendentes em sua atualidade. A começar pela corte escolhida: o Supremo Tribunal Federal – STF, destinada só para as elites; os juízes do caso, todos ministros e indicados pelo governo (quando o ideal seria por concurso); além da lei penal, contraditória e cheia de brechas de tolerância, a exemplo da imunidade parlamentar; além da perda de mandato dos condenados desconectada do poder judiciário; e o amplo e indeterminado prazo para defesa, porém com data certa para invalidação de sua pena. 

Em outras palavras, os parlamentares acusados, além de caríssimos advogados, dispõem de todo o tempo do mundo para se defenderem e, mesmo condenados, não perdem o mandato e ainda podem receber o benefício da liberdade se o prazo da condenação sair da validade (ou prescrição). Sem mencionar o período eleitoral que se aproxima.

E numa legislação penal tão contaminada, até mesmo juristas de respeito como o ministro Joaquim Barbosa acabam refém não só de colegas de má fé, como também da própria ferramenta que deveria ser sua maior aliada: a própria lei. Logo, enquanto não lutarmos pela mudança dessa vergonhosa legislação, nesse tabuleiro, os tribunais e juízes serão tão executores da lei quanto os pizzaiolos no fazer da boa pizza ao molho bolonhesa de sua cantina mais próxima.

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